Na semana passada contamos a história de uma paciente que mudou seu quadro comportamental tornando-se menos cooperativa e mais agressiva por conta de um problema bucal que passou desapercebido porque a paciente não conseguia comunicar sua dor para as pessoas ao seu redor. [CLIQUE AQUI PARA LER]
Acredito que irá ajudar ainda mais no entendimento do problema que vamos abordar nesse artigo.
Na minha rotina frequentemente encontramos idosos e pacientes acamados em condições precárias de saúde bucal. Quase sempre o fato está ligado a uma má rotina e prática da higiene bucal.Ocorre que se a cavidade bucal não for higienizada adequadamente poderá ser uma fonte riquíssima de bactérias interferindo negativamente na vida do paciente.
A maioria destes pacientes não é capaz de realizar sua própria higiene bucal, sendo feita geralmente por algum membro da família ou pessoas que cuidam desse paciente. Dentro desse cenário nos deparamos com pacientes que sofrem com doenças bucais que poderiam ser evitadas com um bom cuidado.
Afinal, de quem é a culpa?
O mais fácil é apontarmos o dedo para o cuidador. Começa assim as acusações e conflitos entre família, cuidadores e demais envolvidos com o paciente. Mas será que a culpa é mesmo do cuidador?
Minha intenção com esse artigo é discutir sobre alguns pontos para que possamos ampliar o nosso olhar para o problema e criar uma reflexão sobre os diversos aspectos que podem contribuir com essa situação.
Recentemente estive em um local onde residem vários idosos e eram frequentes os problemas bucais. A maioria das alterações odontológicas estava ligada a doenças que frequentemente encontramos em outros locais e nos atendimentos domiciliares que faço.
Condições que podem ser evitadas com um bom cuidado.
E como se chega a esse bom cuidado?
Não existe um protocolo único para solução desse tipo de problema. Para estabelecer um bom cuidado e criar uma rotina que seja eficaz no controle de doenças bucais é preciso identificar e corrigir os problemas ligados ao ambiente e só conseguimos realizar esse reconhecimento quando procuramos analisar a situação com uma visão mais panorâmica procurando analisar aspectos como:
Rotina de cuidados e cronograma de atividades;
Tipo de aparato;
Dieta;
Protocolo de higiene bucal;
Grau de instrução do cuidado;
Periodicidade de cuidado profissional.
O olhar de um profissional pode ajudar a pensar além da superfície revelando que a situação pode não estar apenas ligada a falta de interesse no cuidado pelo cuidador.
Primeiro procurei conversar com os vários membros que participavam desse cuidado, equipe multidisciplinar, equipe de enfermagem, cuidadores, gestores do espaço para entender o que cada um pensava, quais eram seus pontos de vista e dificuldades em relação ao problema.
Esse primeiro passo explorativo é fundamental, porque essas são as pessoas que mais conhecem a realidade e cada um pode trazer um ponto de vista diferenciado.
Depois disso, procurei entender a rotina de atividades do dia-a-dia e como eram realizados os cuidados bucais, quem eram os pacientes, suas limitações, quais eram os mais cooperativos e menos cooperativos. Com isso consegui entender a raiz do problema, e já adianto que não estava ligado apenas a falta de motivação ou capacitação do cuidador em cuidar.
As causas do problema:
Não existia um tempo hábil para uma boa higienização: percebi que o tempo destinado para realizar todo o cuidado higiênico do paciente era curto e geralmente a higiene bucal acabava preterida;
Faltava um aparato ou, se ele existia, suas condições eram inapropriadas para higiene bucal: as escovas não estavam adequadas, ou faltava o fio dental ou escova interdental. Sem um bom instrumento para realizar a higiene é provável que a higiene falhe;
Inexistência de um protocolo: cada cuidador realiza a higiene bucal da sua maneira sem um processo ou instrução para o guiar nessa rotina;
Faltava o preparo do cuidador: os cuidadores nunca haviam passado por treinamento que o capacitasse ao cuidado bucal;
Faltava o interesse do cuidador em oferecer um bom cuidado: alguns realmente não estavam interessados em melhorar, caso em que é necessário ter um olhar direcionado e uma boa conversa;
Dieta cariogênica x não cariogênica: a dieta baseada em alimentos como sucos açucarados, bolachas em excesso e outros que contribuíam com os problemas odontológicos. É preciso adequar a dieta para diminuir os riscos dos efeitos cariogênicos que o açúcar pode trazer;
Faltava supervisão profissional: a maioria dos pacientes não ia a um dentista há muitos meses ou até há muitos anos. Poucos realizavam um cuidado preventivo
Percebam como são muitos os pontos que contribuem com essa realidade e todos estão interligados. Existem falhas em todos os aspectos e que envolvem as diversas áreas desde a administração, enfermagem, cuidador e até mesmo os familiares que possuem a responsabilidade de prover os cuidados.
Nossos idosos merecem viver essa etapa da vida com saúde e bem estar, portanto esteja atento ao cuidado bucal para que esse não seja mais um problema na vida deles.
Nós, dentistas, temos a obrigação de participar desse cuidado!
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